sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Ainda a propósito das eleições presidenciais do Brasil

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E tentando remendar uma injustiça de não ter lido o artigo, quando ele saiu, apesar de o ter recebido directamente do autor que tenho a felicidade de ter como grande amigo, aqui vai. Jorge, concordo com tudo e está excelente, parabéns!

Força estranha
Económico, 11/09/10 | Jorge Brito Pereira

1/1/2003, a posse de Lula, aquele dia em que "a esperança vencia o medo", no feliz ‘slogan' de Duda Mendonça - esse mesmo, o publicitário mais tarde envolvido no turbilhão da sua relação com Marcos Valério e Delúbio Soares -, que abriu o discurso de posse e que ecoava por milhares de camisolas vendidas em Brasília.

Quase oito anos depois, seria para muitos um magnífico exercício de humildade confrontar as expectativas que depositavam nesse dia e os resultados destes dois mandatos - quase todos se enganaram, dos que acreditavam que começava o fim do modelo de crescimento económico iniciado por Fernando Henrique Cardoso, já antecipando a mobilização do PT pelo MST e pelo PCdoB, até às histéricas vozes que olhavam para aquele momento como o de uma epifania que trazia a novidade do mundo novo e que poria cobro a décadas de corrupção, iniciando uma nova experiência de política social na América Latina. Só não vê quem não quer - Lula furou, para o bem e para o mal, todas as expectativas que sobre si incidiam.

Por muito que isso custe à direita, Lula provou que é possível governar à esquerda na América Latina com crescimento económico e sem cumprir a maldição dos "ridículos tiranos da América Católica" de que fala Caetano. Mantendo dinâmicos programas de fomento social - o Programa Bolsa Família será o mais notável -, o Brasil ganhou um lugar de respeito no mundo, transformando-se naquilo que os Brasileiros achavam que já eram - a maior potência política regional, a mais importante economia da América Latina e uma das mais promissoras economias emergentes. Mas, por muito que isto custe à esquerda, não é menos verdade que esse resultado foi conseguido através de um receita fundamentada na ortodoxia monetarista com uma matriz desenhada desde os primeiros meses de governação por António Palocci, coordenador da equipa de transição, Ministro da Fazenda e, mais tarde, (também) caído em desgraça - redução da dívida pública, férrea disciplina orçamental, excedente orçamental primário, ‘superavit' comercial, controlo da inflação, consagração da confiança do mercado de dívida pública como farol da actuação macroeconómica e autonomia do Banco Central. Quando, da direita à esquerda, se comete a suprema injustiça de falar dos resultados económicos dos mandatos de Lula sem atribuir a Fernando Henrique Cardoso parte dos louros de quem lavrou a terra e liderou algumas das mais importantes reformas da economia brasileira, cabe lembrar que esta receita não começou a ser aplicada em 2003.

E é neste panorama que vemos que os escândalos ocorridos no mandato de Lula da Silva nada ficam a dever aos anos anteriores - do mensalinho ao mensalão, de José Dirceu a José Genoino, da CPI dos Correios à CPI dos Bingos. Essa esperança - a de transformar a politica brasileira -, frustrou-se completamente e já se vai transformando numa verdadeira maldição.

E é assim que Lula sai do poder com uma ovação com forte tendência para a esquizofrenia - entre as frenéticas palmas de uma direita que não se sente confortável em estar a aplaudir publicamente bandeiras encarnadas e uma esquerda que não sabe se deve aplaudir ou assobiar para o lado. Dramas de quem, foi, sobretudo, hábil a trabalhar com as duas mãos e a distribuir com a mão esquerda boa parte dos resultados que conseguiu com a direita.

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