terça-feira, 12 de julho de 2016

Acima de tudo... Je suis Éder

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E lá se acabou mais um campeonato da Europa de futebol e lá nos encontrámos outra vez com a nossa habitual besta negra nas competições, a França que, noutros tempos e numa dimensão mais séria e global, já influenciou bastante a nossa história.
Foi a França a culpada da fuga do nosso rei e da sua comitiva para o Brasil quando nos quis vergar ao jugo e às ambições do seu Imperador, provocando uma série de tranformações no mundo português decorrentes dessa guerra. A melhor delas foi, com certeza, o perfume alfacinha que essa troupe levou para o Rio de Janeiro e que ainda se sente na vivência e em alguns hábitos cariocas :). O Rio chegou a ser capital do reino de Portugal nessa altura e só penso o que seria se isso se mantivesse e agora fôssemos uma colónia ou estado autónomo pertencente a esse país.
É verdade que, mais recentemente, essa mesma França acolheu e proporcionou vidas melhores a milhares de portugueses que também se viram forçados a saír do seu país mas, neste caso, por não terem qualquer perspetiva de futuro mas, mesmo assim, parece-me que o desejo de uma vingançazinha tem vindo a ficar gravado no nosso subconsciente de geração em geração desde o tempo das três invasões e dos famosos Junot, Soult e Massena. Resistimos aí com bravura e coragem, suplantámos todas as probabilidades e transcendemo-nos, salvámos a pátria mas, futebolisticamente, desde aquela amarga meia final de 1984, nunca mais ganhámos nenhuma batalha contra os gauleses.
A nossa relação mais recente com os franceses é também indissociável do facto de viverem mais de meio milhão de portugueses emigrados em França. Este valor é para nascidos em Portugal pois, se se juntar a segunda e terceira geração estaremos, certamente a falar de cerca de 1 milhão.  Outro fator importante é que, apesar de a larga maioria ter encontrado melhores condições económicas e sociais, a grande maioria, também, ocupou um papel subserviente na sociedade francesa, contrução civil, limpeza, portarias de prédios, empregadas domésticas, empregados de cafés e restaurantes e retalho, empregados da indústria e da agricultura, taxistas e motoristas são as profissões mais habituais dos portugueses. Quase sempre numa posição servil e, socialmente, inferior mesmo na relação com o seu colega francês que ocupa a mesma posição.
E por isso é que era tão importante termos, mais uma vez, um desempenho brioso num europeu que se realizou, mais uma vez, no segundo país onde há mais portugueses e portugueses que estão habituados a lidar sempre com o complexo de superioridade dos seus pares. É sempre um prazer e uma grande emoção ver como os nossos emigrantes vivem e vibram com a presença próxima dos seus símbolos e, pelo menos por eles, o nosso desempenho teria de ser irrepreensível! Ser campeões da Europa em terras gaulesas, depois de várias desilusões, na cara dos franceses seria a perfeição e, de certo, um sonho inimaginável para muitos, para mim era mas eu não só emigrante :)
E não é que esse sonho se concretizou? Mas tal como outros eventos da nossa história, realizámos o sonho da forma mais difícil, tornado difícil o que aparentemente era fácil e com requintes de guião de uma blockbuster de Hollywood. Um verdadeiro guião para uma estória verdadeira ou um samba enredo digno de uma escola campeã no carnaval do Rio para usar uma metáfora lusófona.
Tivemos uma prestação miserável na fase de grupos contra três seleções, supostamente, acessíveis e ficámos em terceiro lugar sem ganhar um jogo contra as "poderosas" Islândia, Áustria e Hungria. Só nos qualificámos porque o modelo novo com 24 equipas previa a repescagem da maioria dos terceiros lugares. Esse terceiro lugar acabou por ser melhor que o segundo pois colocou-nos no lado em que não estava nenhum dos tubarões candidatos, Espanha, Itália, Alemanha e a França. Feito conseguido porque a Islândia marcou um golo já depois do tempo regulamentar no seu terceiro jogo.
Eliminámos a Croácia com um golo aos 117 minutos, num jogo onde sofremos muito e onde o nosso capitão voltou à sobranceria que demonstrou nos dois primeiros jogos. Aliás, o golo foi imediatamente a seguir a um ataque da Croácia onde o nosso bravo Patrício (nome premonitório) afastou um remate para o poste da sua baliza.
Ganhámos à Polónia no desempate por grandes penalidades num momento épico e tenso que colocou toda imprensa francesa com a certeza de que nós iríamos baquear no jogo seguinte porque já não merecíamos estar no europeu há muito tempo. A coisa estava-se a compor pelas razões mais improváveis e inesperadas!
A meia final com Gales foi tranquila e favorável mas não nos livrámos de uma sonolenta primeira parte mas estávamos na final e agora viessem os alemães ou os franceses mas a preferência óbvia eram os franciús e iríamos ganhar direto, sem dúvida nenhuma pois o calvário até aí já tinha sido totalmente esquecido. Eu confesso, eu só queria que mantivéssemos a nossa dignidade e bravura e que deixássemos cheios de orgulho os nosso compratiotas que já tinham sofrido tanto mas que continuavam indefectíveis no seu apoio apesar de continuarem a ser enxovalhados pois a imprensa francesa continuava a promover a sua teoria oficial. Os franceses estavam inchados e plenamente confiantes, ao contrário do nosso, o sonho deles era real e estava muito próximo.
Chegou o dia e quem achava que a estória fosse diferente estava redondamente enganado, foi pior. Uma escorregadela do Pepe, um milagre do Patrício e, de repente, o nosso capitão, a nossa maior e mais valiosa arma diz, lavado em lágrimas, que não dá mais e ainda faltam 70 minutos de jogo. As bancadas do Stade de France incharam e cresceram com a repentina injecção de confiança que invadiu os anfitriões, os patrícios, por seu lado, uniram-se no seu reduto e cerraram fileiras na bancada e no campo.
Quando parecia que já não havia mais momentos cinematográficos, o nosso engenheiro tira da cartola um jogador que a maioria da imprensa portuguesa não compreendeu como foi convocado e o Fernando, inconscientemente, a dar-lhes razão nunca o tinha utilizado nos jogos anteriores mesmo quando precisava de ganhar. O Éderzito António Macedo Lopes, este é o seu nome, nunca tinha marcado pela seleção em jogos oficiais, nunca tinha jogado numa fase final e seria a solução mais inusitada e insólita que poderia sair da cabeça do engenheiro. Mas saiu e em boa hora e nãoé que foi ele que acabou por marcar o golo e que golo. Um golo de bandeira em qualquer parte do mundo mas tinha que ser um golo deste para terminar em beleza esta estória real que dia vai virar guião.
Já os emigrantes vão ter muito tempo pela frente para consolar os seus amigos e colegas franceses mas com um grande sorriso nas faces.













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