sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Estas coisas não podem acontecer por acaso

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Apesar de gostar da maioria das crónicas, não é assim tão frequente ouvir a crónica "sinais" do Fernando Alves na TSF simplesmente por geralmente não calha com o momento em que estou no carro a ir para o trabalho. Mas hoje ouvi e percebi que tinha de ouvir pois foi dedicado ao escritor Rubem Braga já que amanhã se comemora o centenário do seu nascimento. Este maravilhoso poeta brasileiro foi um grande amigo e parceiro do saudoso Vinícius de Moraes que, curiosamente, nasceu no mesmo 1913 e, portanto, também este ano se comemorará o seu centenário, mais propriamente a 19 de Outubro. A crónica fala, entre outras coisas, do gentil e sentido 'recado' que o Rubem Braga lhe escreveu, na primavera de 1980 (o Vinícius morreu a 9 de Julho desse ano, em pleno inverno do hemisfério sul) dando-lhe a triste notícia que a primavera tinha chegado sem Vinícius pela primeira vez desde 1913. É dos exemplos mais marcantes daquilo que deve ser a amizade. Lembra-me uma frase curta, sensata e eloquente o do Vinícius, "A gente não faz amigos, reconhece-os".

 "No Centenário de Rubem Braga
 Passa amanhã o centenário do nascimento de Rubem Braga, "o bravo Capitão Braga", como lhe chamou o grande amigo Vinicius de Moraes, cujo centenário se assinala também neste 2013. Vinicius morreu dez anos antes de Braga. E o grande cronista enviou-lhe, uns dias adiante, um "recado de primavera". Rubem Braga, que tinha feito de tudo nos jornais, reportagem de guerra, crónica, anotações intensas sobre a vida (que, ele o dizia, tanto escapava aos jornais), dava ao amigo Vinicius uma "notícia grave": a primavera chegara. Era a primeira primavera sem Vinicius, desde 1913, sublinhava o autor de "As coisas boas da vida": "Seu nome virou placa de rua e nessa rua que tem seu nome na placa vi ontem 3 garotas de Ipanema que usavam mini-saias. Parece que a moda voltou, nessa primavera. Acho que você aprovaria.(...)O tempo vai passando, poeta, chega a primavera nesta Ipanema, toda cheia de sua música e de seus versos. Eu ainda vou ficando um pouco por aqui - a vigiar, em seu nome, as ondas, os tico-ticos e as moças em flor." É um exercício demorado e surpreendente o de reunir o tanto que eles se escreveram, em ternura cúmplice. Mesmo quando Braga fez um arremedo irónico da Garota de Ipanema -ele que não olhou com bons olhos para a aventura musical de Vinicius,talvez porque esta o afastasse da oficina mais rigorosa do trabalho poético.. Rubem Braga e Vinicius foram ambos diplomatas. O mundo de ambos era vasto e há, no que se escreveram, algumas vezes, abraços de longe. Vinicius, na longa e tocante "Mensagem a Rubem Braga": "A meu amigo Rubem Braga digam que vou, que vamos bem: só não tenho é coragem de escrever, mas digam-lhe: Digam-lhe que é Natal, que os sinos estão estão batendo e estamos no Cavalão: o Menino vai nascer entre as lágrimas do tempo. Digam-lhe que os tempos estão duros, falta água, falta carne, falta às vezes o ar: há uma angústia. Mas fora isso, vai-se vivendo". Procura a "Mensagem a Rubem Braga", a longa e comovente mensagem ao "bravo Capitão Braga, seguramente o maior cronista do Brasil". E, neste fim de semana, procura um dos tantos livros de crónicas de Rubem Braga, jornalista multidisciplinar que ganhou prestígio na arte da crónica. Como ele dizia, escreveu sempre "para ser publicado no dia seguinte". Chamo, assim, para ele, na véspera do dia. Uma vez pediram-lhe que enumerasse dez coisas boas da vida. Dez coisas "que fazem a vida valer a pena". Entre essas dez coisas (coisas como reencontrar um sabor de comida da infância, "de tarde, na fazenda"), ele apontou: "Ler pela primeira vez um poema realmente bom, daqueles que dão inveja na gente e vontade de reler". Para amanhã: ler, ou reler, uma crónica de Rubem Braga. Se não tiveres à mão um dos seus livros, a Internet está cheia de crónicas dele. Em fundo, um samba de Vinicius."
Sinais de 11/01/2013 - Fernando Alves

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