quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Todas as esquinas

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"São esquinas. Esquinas depois de esquinas depois de esquinas. E após cada uma delas, um outro país, uma outra paisagem, uma outra gente.

Portugal é feito de esquinas onde o tempo se confunde com o tempo. Onde o espaço se confunde com o espaço. Mas onde jamais tempo e espaço se confundem como acontece em algumas cidades do Novo Mundo.
Atrás de cada esquina há um castelo, uma janela, uma oliveira, uma guitarra que trina. E tudo muda na esquina de um segundo... dobra-se uma esquina e, de repente,um rio...e, de repente, uma serra...e, de repente, uma praia...e, de repente, um sol radioso...e, de repente,o mar, o mar, o mar!

E a memória...a memória carregadinha de esquinas que se dobram para encontrar o Pessoa tomando café na Brasileira de olhos postos no Camões...e depois dobra-se mais uma esquina para ir cumprimentar o Eça...e sobe-se a São Bento para ouvir a Amália cantar os poetas todos que foi encontrando nas esquinas do seu Fado. Ela que nos mostrou que Portugal é uma quadra do Linhares Barbosa e um soneto do Camões.

Avenidas, planícies, montes, tudo isso cabe na esquina de um olhar, de um sorriso, na esquina de uma lembrança. Porque tudo é pequeno. Porque tudo é imenso. Porque tudo é português e ser português é como viver à esquina. À esquina do mundo, do mundo todo. Por isso, é-me fácil ser tudo. Numa esquina sou negro. Noutra sou do Leste da Europa. Numa outra sou asiático e, em todas elas, sou brasileiro. Em Portugal, a gente vira uma esquina e lá está a Bahia, Minas, o Rio...Dobra-se a esquina da língua e logo surgem os poetas desse país enorme onde a cada esquina se vê Lisboa – ouvem-se versos de Clarice, de Castro Alves, de Cecília, de Ferreira Gullar, do Chico e, na esquina mais desejada, encontra-se majestosa,uma menina. Uma menina que tem a voz cheia de esquinas. Esquinas onde moram os poetas, todos os poetas da língua portuguesa, não lhe importando qual a margem do Atlântico onde nasceram, porque ela sabe dobrar a esquina de todos os sentimentos, de todas as emoções de todos os significados, de todos os sotaques. O seu nome é Maria Bethânia e ensinou-nos que o canto é uma esquina de onde se avista, ao mesmo tempo,o Tejo e o Subaé.

Só a luz de Lisboa não quer saber das esquinas. A luz que vem do mar a que decidimos chamar Tejo. Essa luz ultrapassa as esquinas, cruza-as à nossa frente, vai mais depressa, mais devagar, mete-se pelos becos, entra pelas janelas, molha-nos os olhos, imiscui-se-nos nas veias, usa-nos a voz, traça-nos o destino.

Essa luz quando é rio, chama-se Tejo; quando é sal, chama-se mar; quando é dor chama-se Fado...e é cantado em todas as esquinas..."

Tiago Torres da Silva

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