"Há uns meses, uma amiga brasileiraperguntou-me porque não conseguia encontrar uma canção portuguesa com "gajo"- afinal, uma palavra tão usada neste país. Consegui descobrir uma música dos Ena Pá 2000 com "gajo", mas a pergunta da minha amiga mostrou como dois povos, que falam a mesma língua, enlaçam de forma diferente letra e música. Esta semana, na Casa Fernando Pessoa, vi o documentário brasileiro "Palavra (En)cantada" e ouvi o guionista, Marcio Debellian, explicar como se viciou em Fernando Pessoa de pois de ouvir Maria Bethânia cantar o poeta do bigode tímido. Na tela vi Chico Buarque, Adriana Calcanhotto, Lenine, Caetano Veloso, Tom Zé e tantos outros que conseguiram, com ginga, excelência e usando a música, transportar a história oral para a literatura - uma literatura cantada, sem salamaleques, vénias, comendadores, punhos de renda ou cintos de castidade. Nas músicas brasileiras as pessoas "transam" e chegam a comer-se: "Vamos comer Caetano, degluti-lo, mastigá-lo, vamos lamber a língua", diz uma canção de Calcanhotto. No documentário, percebe-se como 500 anos de promiscuidade racial e miscigenação linguística resultaram em coisas como a Bossa Nova. Mas o filme é muito mais do que um relato histórico que viaja dos trovadores provençais até aos rappers cariocas. Está cheio de palavras gostosas, cantadas, safadas, malandras, incondicionalmente enamoradas - Lenine diz qe se lheparte o coração sempre que ouve os ditongos nasais - "ão" e "ãe" - exclusivos do português. E eu digo: obrigado, Brasil, por me dares tanta fome de língua"
Crónica Dia-A-Dia de Hugo Gonçalves no Jornal i de 01/05/10
sábado, 1 de maio de 2010
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